quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A última dor de 2015 - feroz

Este foi um e-mail desesperado que escrevi aos meus dois médicos: 

Caríssima G. e caríssimo L. H.,

Preciso que vocês leiam esse depoimento. É muito importante.

Tentarei ser breve. Só peço desculpas porque mesmo sendo breve, casos psiquiátricos nunca são breves e superficiais. É tudo bem complicado e demorado.

Há mais de dois meses estou devendo esse e-mail à G.. Na última consulta que tive com ela, logo após meu retorno de São Paulo, em julho/2015, mês no qual tive meu primeiro contato com L. H., G. me pediu para entrar em contato contigo, L. H., solicitando seu contato, pois ela queria conversar sobre meu caso e tratamento. Entendi que, basicamente, a conversa giraria em torno de medicamentos e os problemas para dormir. Agora vocês têm os e-mails de ambos e se assim ainda o desejarem, podem se comunicar.

Quando procurei L.H., fui praticamente levada por uma amiga e colega da universidade, C., que viu que eu não estava nada bem nos idos de junho desse ano. C. faz tratamento com L. H. e, diante da rejeição do meu organismo aos medicamentos tentados pela G. (Duloxetina e Valdoxan), achou que eu deveria fazer o exame CYP-450, para entender o porquê, exame esse solicitado por L. H.  e feito em São Paulo.

Só que o problema estava muito mais complicado do que um simples pedido de exame.

Eu estou escrevendo esse e-mail a vocês para dizer, com pavor, que eu estava à beira da morte. Eu não aguentava mais viver. Acordar pela manhã estava sendo um suplício. Abria os olhos e começava o sofrimento, imediatamente: náusea (que muitas vezes tinha que controlar com Plasil para não vomitar), taquicardia, suores frios (invariavelmente suava muito durante a noite), um medo absurdo de encarar o dia e a vida, beirando o pânico (se é que não era), tristeza profunda, revolta com a vida pela situação que estou tendo que enfrentar, sozinha em (...), enfim, dá para esticar muito essa lista. Eu conseguia melhor um pouco somente depois de umas duas horas de pé, mas o maior problema era levantar. Como eu abria os olhos e me deparava com essa situação de horror, tentava desesperadamente dormir novamente para escapar daquilo tudo. Pela manhã eu conseguia, e esse tempo a mais de sono gerava pesadelos fortes e profundo mal-estar depois, porque levantava da cama entre 09:30 e 10:30 horas e o dia já tinha passado. Geralmente não dava tempo de fazer tudo o que tinha que fazer e ficava mais mal ainda, tornando, isso, um círculo vicioso e perigoso. A situação ficou tão ruim, mas tão ruim que decidi terminar com minha vida. Eu pedia a Deus para terminá-la, mas Ele não me ouvia e não ia me ouvir. Eu teria que terminar! Arquitetei um plano, que é muito difícil até de escrever: enforcamento, mas antes ia tomar uma caixa de stilnox para dormir em cima da corda (ou uma echarpe) e tentar dirimir o horror da cena. O lugar também já tinha sido estipulado: no registro de água do banheiro, porque me pareceu forte. Fiz o teste. Faltou nada para isso acontecer. Minha filha saiu de férias no dia 18 de junho e seu eu tivesse ficado em (...) mais uns dois dias, o plano teria sido executado. Eu repito: não dava mais para continuar. Eu já não tinha mais nem movimentos no corpo. Não mexia os braços, as mãos; meus olhos já não piscavam. Eu me olhava no espelho, com aqueles olhos de morta, e via que não tinha mais vida ali. Era só concretizar o que de fato acontecia.

O fato, caríssimos, é que conviver com a morte, lado a lado, como convivi durante esses dias, eu diria meses, antes do dia 18/06, me assustou demais. Eu percebi que tinha que fazer alguma coisa, mudar, sei lá, senão ia morrer. Eu só pensava na morte, dia e noite. Porém, antes desse período, eu também pensava, mas havia uma distância entre pensar e fazer e dessa vez a distância havia desaparecido por completo. A morte me fazia companhia dentro do meu quarto e do meu banheiro. Eu conseguia vê-la, sentia a respiração dela, a sua presença do meu lado.

Aí, as aulas da C. (filha) terminaram e a universidade estava em greve (aliás, essa greve ajudou demais, mas demais mesmo, no processo de melhora, depois). Viajo para minha cidade e decido não tomar mais nenhum remédio: nem Valdoxan, nem Stilnox, nem lamotrigina, nem plasil, nem nada mais, pois não estavam ajudando. E eu havia tentado com todas as minhas forças fazer com que desse certo. Minha cidade é uma paixão em minha vida, é onde gostaria de morar todos os dias, até o última dia de vida. Estar lá, mesmo à beira da morte, seria reconfortante, pensei, mas dessa vez não foi. Sem os remédios, ainda, não sei o que me tornei. Não havia vida. Me lembro de uma tarde gritar muito com Deus, na varanda dos fundos da casa. Eu vociferava como um cão raivoso, com os olhos fixos no céu, em meio a lágrimas que derramavam, que se era para viver assim, porque Ele havia me dado a vida? Eu não queria essa vida! E repetia, chorando muito, triste como nunca estive, profundamente magoada com Deus. Por que eu tinha que continuar acordando pela manhã? Por que? – eu perguntava, eu gritava, eu insultava, eu vociferava. Foi um momento muito difícil. Será que Deus ouviu? Que pena, não! Mas ele não se dirige a nós. Não tem como saber.

Em V. (minha cidade), tomei a iniciativa de procurar um grupo de apoio chamado N/A (Neuróticos Anônimos). Procurei esse grupo em C., mas, claro, aqui não tinha. Na (estado), somente em (...), (...) e (...) - três cidades. Mas em C. (ao lado de minha cidade) havia 04 grupos. Já havia decidido que quando estivesse em V., iria procurar o grupo. Escolhi o do bairro x, mais próximo da minha casa. No primeiro dia, J., o marido, foi comigo, pois eu havia perdido o tato em dirigir em C. e tinha que encontrar a igreja em que se reuniram (igreja ...). Quando a primeira pessoa começou a dar seu depoimento, eu comecei a chorar internamente (não queria exteriorizar, pelo marido, que é racional, matemático). A cada depoimento que eu ouvia, mais me comovia: eu havia encontrado pessoas iguais a mim, que sofrem dos mesmos males. Eu finalmente podia compartilhar as minhas dores porque meus interlocutores sabiam exatamente o que eu estava dizendo e sentindo. Isso ajudou muito. Eu voltei mais três vezes (reuniões todos os sábados), até a véspera do meu retorno. Dei muitos depoimentos, comprei toda a literatura deles e quis muito ter a capacidade de viver, nem que fosse por aquele grupo. Voltarei lá todos os sábados que estiver em V., daqui pra frente.

Graças às reuniões de N/A, tive um pouco de forças para ir à consulta com L. H. J. (marido)não ia poder me levar, era dia de rodízio. Também ele não faz questão nenhuma de levar alguém a essa especialidade. Não entende e nunca entenderá. Peguei um ônibus até a rodoviária do Tietê (1 hora e meia de viagem) e do Tietê metrô até chegar à estação Vera Cruz e depois a pé até o consultório, tentando encontrar o lugar. Uma maratona! Movo mundos em busca de uma cura para isso. Leio, pesquiso, vou atrás. A conversa foi muito boa. Sei que passei até do horário, mas o caso estava muito mais complicado do que você poderia imaginar, L.H.. Não daria para você saber, em apenas uma consulta. Como eu estava sem crença na vida, resolvi experimentar seu novo olhar medicamentoso: escitalopram e 1/3 de donarem, caso tenha insônia. Comecei com uma gota por dia e fui aumentando até 12, segundo prescrição. Era para eu ter entrado em contato, para subirmos, mas senti que estabilizei com 12 gotas e não senti vontade de aumentar. Continuo com elas. Fui melhorando aos poucos. O medicamento não causou efeito colateral nenhum, apenas melhorias.

Só que meu contexto do momento do início do novo remédio ajudou muito no processo. A universidade fez uma greve de 03 meses e esse tempo foi fundamental para mim. O trabalho é o principal vilão da minha vida. Ele me adoece. E houve outro pulo do gato: A ONG PESAMENTOS FILMADOS, dirigida por Ana Maria Saad. Em conjunto com o medicamento (que foi certeiro), aos cuidados de G. e E. (minha psicóloga), ao pouco tempo de convívio com N/A, posso dizer com toda certeza que Ana Maria Saad e seu trabalho salvaram a minha vida. Eu quero acreditar que Deus está por trás disso, que foi Ele que enviou essas tábuas para eu me agarrar. Talvez um dia Ele diga isso para mim. Ana buscou a cura na medicina integrativa e depois de 10 anos tendo acesso aos melhores profissionais, como Ângela Colameo, Milena Dias (com a ioga), psiquiatras como Edmond Saad e vários outros profissionais incríveis, conseguiu sair do “cantinho da bosta”, como ela intitula. Ela resolveu compartilhar tudo o que aprendeu ao longo de 10 anos e criou a Ong para tratamento dela e ajudar outras pessoas. Está evitando um monte de suicídios e tem ajudado a evitar o meu também. Ana promove congressos on line com esses profissionais e criou um grupo fechado de discussão no facebook, chamado “Clube da Cachola”, para quem participa do programa. Sobre esse trabalho eu conto mais, pessoalmente. O fato é que se vocês ainda não conhecem esse trabalho da Ana, precisam conhecer. Aí vai o link do site dela: http://www.anamariasaad.com.br/

Enfim, eu fui melhorando aos poucos, com a medicação, muitas leituras, N/A, o congresso, palestras e vídeos da Ong Pensamentos Filmados e a paciência da minha terapeuta, E., com quem converso todas as sextas-feiras.

Estou curada como a Ana? Longe disso. Me livrei da morte? Ainda não. Afastei-a um pouco, por enquanto em uma distância segura, mas morro de medo de ela voltar a me assombrar. Se ela voltar de novo a ficar comigo cara a cara em meu banheiro, eu sei que não saio viva, por isso estou entrando em contato com vocês. Por favor, é sério, muito sério.

Peço muitas desculpas pela demora em entrar em contato. À G. por não ter contactado L. H. e ter feito o que pediu, naquele momento; ao L. H. por não ter entrado em contato para dar o resultado dos exames que pediu e saber se tinha que elevar as 12 gotas de Lexapro e se já podia tirar a lamotrigina. A minha justificativa é a seguinte: todo esse processo me trouxe muita indisciplina. Eu acredito que o medicamento não é uma pílula milagrosa que vai resolver todos os problemas. Eu preciso fazer a minha parte e isso envolve muitos fatores que a Ong e o Clube da Cachola estão me ajudando a fazer. Disciplina é muito importante nesse processo. Não ia adiantar nada entrar em contato com vocês se eu não tinha minha vida em um caminho um pouco digno de recuperação. É isso que estou tentando fazer nesses últimos dois meses. O trabalho na universidade me sufoca e se não dou conta dele me deprimo mais ainda. Tenho tentado dar conta dele, mas ele me consome muito tempo. Acho que estou em um caminho. Faz 07 semanas que não entro no Clube da Cachola para participar, pois precisei fazer uma viagem para o exterior (congresso) que envolveu 03 semanas da minha vida, além do trabalhão para organizar tudo. Mesmo assim, sinto um caminho. Sobre isso, converso mais pessoalmente. Hoje retomo ao Clube da Cachola e à minha estrada de cura.

Segue, em anexo, o resultado dos meus exames e o primeiro exercício de um plano de cura de 12 semanas que o Clube da Cachola nos passou. Infelizmente parei nesse primeiro, mas agora estou retomando. Eles já estão no 8º. Não fiz o exame CYP-450, que só é feito em São Paulo. Não era urgente, acho até que dei uma forçada para fazer. Em janeiro estarei em férias em V. e faço. Quero esse resultado, de qualquer forma.

Obrigada pela paciência.


p.s.: G., meu sono está uma bagunça. Precisamos conversar. Porém, sem disciplina e sem aplicação dos métodos que você me passou, não atingirei os objetivos. Esse é meu ponto. Estou tentando organizar a vida. Não consegui ir à ultima consulta, pois viajei nesse dia. Tampouco consegui avisar.