Este foi um e-mail desesperado que escrevi aos meus dois médicos:
Caríssima G. e
caríssimo L. H.,
Preciso que vocês leiam esse
depoimento. É muito importante.
Tentarei ser breve. Só peço
desculpas porque mesmo sendo breve, casos psiquiátricos nunca são breves e
superficiais. É tudo bem complicado e demorado.
Há mais de dois meses estou
devendo esse e-mail à G.. Na última consulta que tive com ela, logo após
meu retorno de São Paulo, em julho/2015, mês no qual tive meu primeiro contato
com L. H., G. me pediu para entrar em contato contigo, L. H., solicitando seu contato, pois ela queria conversar sobre meu caso e
tratamento. Entendi que, basicamente, a conversa giraria em torno de
medicamentos e os problemas para dormir. Agora vocês têm os e-mails de ambos e
se assim ainda o desejarem, podem se comunicar.
Quando procurei L.H.,
fui praticamente levada por uma amiga e colega da universidade, C., que
viu que eu não estava nada bem nos idos de junho desse ano. C. faz
tratamento com L. H. e, diante da rejeição do meu organismo aos
medicamentos tentados pela G. (Duloxetina e Valdoxan), achou que eu deveria
fazer o exame CYP-450, para entender o porquê, exame esse solicitado por L. H. e feito em São Paulo.
Só que o problema estava muito mais
complicado do que um simples pedido de exame.
Eu estou escrevendo esse e-mail a
vocês para dizer, com pavor, que eu estava à beira da morte. Eu não aguentava
mais viver. Acordar pela manhã estava sendo um suplício. Abria os olhos e
começava o sofrimento, imediatamente: náusea (que muitas vezes tinha que
controlar com Plasil para não vomitar), taquicardia, suores frios
(invariavelmente suava muito durante a noite), um medo absurdo de encarar o dia
e a vida, beirando o pânico (se é que não era), tristeza profunda, revolta com
a vida pela situação que estou tendo que enfrentar, sozinha em (...), enfim, dá para esticar muito essa lista. Eu conseguia melhor um
pouco somente depois de umas duas horas de pé, mas o maior problema era
levantar. Como eu abria os olhos e me deparava com essa situação de horror,
tentava desesperadamente dormir novamente para escapar daquilo tudo. Pela manhã
eu conseguia, e esse tempo a mais de sono gerava pesadelos fortes e profundo mal-estar
depois, porque levantava da cama entre 09:30 e 10:30 horas e o dia já tinha
passado. Geralmente não dava tempo de fazer tudo o que tinha que fazer e ficava
mais mal ainda, tornando, isso, um círculo vicioso e perigoso. A situação ficou
tão ruim, mas tão ruim que decidi terminar com minha vida. Eu pedia a Deus para
terminá-la, mas Ele não me ouvia e não ia me ouvir. Eu teria que terminar!
Arquitetei um plano, que é muito difícil até de escrever: enforcamento, mas
antes ia tomar uma caixa de stilnox para dormir em cima da corda (ou uma
echarpe) e tentar dirimir o horror da cena. O lugar também já tinha sido
estipulado: no registro de água do banheiro, porque me pareceu forte. Fiz o
teste. Faltou nada para isso acontecer. Minha filha saiu de férias no dia 18 de
junho e seu eu tivesse ficado em (...) mais uns dois dias, o plano teria
sido executado. Eu repito: não dava mais para continuar. Eu já não tinha mais
nem movimentos no corpo. Não mexia os braços, as mãos; meus olhos já não
piscavam. Eu me olhava no espelho, com aqueles olhos de morta, e via que não
tinha mais vida ali. Era só concretizar o que de fato acontecia.
O fato, caríssimos, é que
conviver com a morte, lado a lado, como convivi durante esses dias, eu diria
meses, antes do dia 18/06, me assustou demais. Eu percebi que tinha que fazer
alguma coisa, mudar, sei lá, senão ia morrer. Eu só pensava na morte, dia e
noite. Porém, antes desse período, eu também pensava, mas havia uma distância
entre pensar e fazer e dessa vez a distância havia desaparecido por completo. A
morte me fazia companhia dentro do meu quarto e do meu banheiro. Eu conseguia
vê-la, sentia a respiração dela, a sua presença do meu lado.
Aí, as aulas da C. (filha) terminaram
e a universidade estava em greve (aliás, essa greve ajudou demais, mas demais mesmo, no
processo de melhora, depois). Viajo para minha cidade e decido não tomar mais
nenhum remédio: nem Valdoxan, nem Stilnox, nem lamotrigina, nem plasil, nem
nada mais, pois não estavam ajudando. E eu havia tentado com todas as minhas
forças fazer com que desse certo. Minha cidade é uma paixão em minha vida, é onde
gostaria de morar todos os dias, até o última dia de vida. Estar lá, mesmo à
beira da morte, seria reconfortante, pensei, mas dessa vez não foi. Sem os
remédios, ainda, não sei o que me tornei. Não havia vida. Me lembro de uma
tarde gritar muito com Deus, na varanda dos fundos da casa. Eu vociferava como
um cão raivoso, com os olhos fixos no céu, em meio a lágrimas que derramavam, que
se era para viver assim, porque Ele havia me dado a vida? Eu não queria essa
vida! E repetia, chorando muito, triste como nunca estive, profundamente
magoada com Deus. Por que eu tinha que continuar acordando pela manhã? Por que?
– eu perguntava, eu gritava, eu insultava, eu vociferava. Foi um momento muito
difícil. Será que Deus ouviu? Que pena, não! Mas ele não se dirige a nós. Não
tem como saber.
Em V. (minha cidade), tomei a iniciativa
de procurar um grupo de apoio chamado N/A (Neuróticos Anônimos). Procurei esse
grupo em C., mas, claro, aqui não tinha. Na (estado), somente em (...), (...) e (...) - três cidades. Mas em C. (ao lado de minha cidade) havia 04 grupos. Já havia decidido que quando
estivesse em V., iria procurar o grupo. Escolhi o do bairro x, mais
próximo da minha casa. No primeiro dia, J., o marido, foi comigo, pois eu havia
perdido o tato em dirigir em C. e tinha que encontrar a igreja em que se
reuniram (igreja ...). Quando a primeira pessoa começou a dar
seu depoimento, eu comecei a chorar internamente (não queria exteriorizar, pelo
marido, que é racional, matemático). A cada depoimento que eu ouvia, mais me
comovia: eu havia encontrado pessoas iguais a mim, que sofrem dos mesmos males.
Eu finalmente podia compartilhar as minhas dores porque meus interlocutores
sabiam exatamente o que eu estava dizendo e sentindo. Isso ajudou muito. Eu
voltei mais três vezes (reuniões todos os sábados), até a véspera do meu
retorno. Dei muitos depoimentos, comprei toda a literatura deles e quis muito
ter a capacidade de viver, nem que fosse por aquele grupo. Voltarei lá todos os
sábados que estiver em V., daqui pra frente.
Graças às reuniões de N/A, tive
um pouco de forças para ir à consulta com L. H. J. (marido)não ia poder me
levar, era dia de rodízio. Também ele não faz questão nenhuma de levar alguém a
essa especialidade. Não entende e nunca entenderá. Peguei um ônibus até a
rodoviária do Tietê (1 hora e meia de viagem) e do Tietê metrô até chegar à
estação Vera Cruz e depois a pé até o consultório, tentando encontrar o lugar.
Uma maratona! Movo mundos em busca de uma cura para isso. Leio, pesquiso, vou
atrás. A conversa foi muito boa. Sei que passei até do horário, mas o caso
estava muito mais complicado do que você poderia imaginar, L.H.. Não
daria para você saber, em apenas uma consulta. Como eu estava sem crença na
vida, resolvi experimentar seu novo olhar medicamentoso: escitalopram e 1/3 de
donarem, caso tenha insônia. Comecei com uma gota por dia e fui aumentando até
12, segundo prescrição. Era para eu ter entrado em contato, para subirmos, mas
senti que estabilizei com 12 gotas e não senti vontade de aumentar. Continuo
com elas. Fui melhorando aos poucos. O medicamento não causou efeito colateral
nenhum, apenas melhorias.
Só que meu contexto do momento do
início do novo remédio ajudou muito no processo. A universidade fez uma greve de 03
meses e esse tempo foi fundamental para mim. O trabalho é o principal vilão da
minha vida. Ele me adoece. E houve outro pulo do gato: A ONG PESAMENTOS
FILMADOS, dirigida por Ana Maria Saad. Em conjunto com o medicamento (que foi
certeiro), aos cuidados de G. e E. (minha psicóloga), ao pouco tempo de convívio com N/A,
posso dizer com toda certeza que Ana Maria Saad e seu trabalho salvaram a minha
vida. Eu quero acreditar que Deus está por trás disso, que foi Ele que enviou
essas tábuas para eu me agarrar. Talvez um dia Ele diga isso para mim. Ana
buscou a cura na medicina integrativa e depois de 10 anos tendo acesso aos
melhores profissionais, como Ângela Colameo, Milena Dias (com a ioga),
psiquiatras como Edmond Saad e vários outros profissionais incríveis, conseguiu
sair do “cantinho da bosta”, como ela intitula. Ela resolveu compartilhar tudo
o que aprendeu ao longo de 10 anos e criou a Ong para tratamento dela e ajudar
outras pessoas. Está evitando um monte de suicídios e tem ajudado a evitar o
meu também. Ana promove congressos
on
line com esses profissionais e criou um grupo fechado de discussão no
facebook, chamado “Clube da Cachola”, para quem participa do programa. Sobre
esse trabalho eu conto mais, pessoalmente. O fato é que se vocês ainda não
conhecem esse trabalho da Ana, precisam conhecer. Aí vai o link do site dela:
http://www.anamariasaad.com.br/
Enfim, eu fui melhorando aos
poucos, com a medicação, muitas leituras, N/A, o congresso, palestras e vídeos
da Ong Pensamentos Filmados e a paciência da minha terapeuta, E., com quem
converso todas as sextas-feiras.
Estou curada como a Ana? Longe
disso. Me livrei da morte? Ainda não. Afastei-a um pouco, por enquanto em uma
distância segura, mas morro de medo de ela voltar a me assombrar. Se ela voltar
de novo a ficar comigo cara a cara em meu banheiro, eu sei que não saio viva,
por isso estou entrando em contato com vocês. Por favor, é sério, muito sério.
Peço muitas desculpas pela demora
em entrar em contato. À G. por não ter contactado L. H. e ter feito
o que pediu, naquele momento; ao L. H. por não ter entrado em contato
para dar o resultado dos exames que pediu e saber se tinha que elevar as 12
gotas de Lexapro e se já podia tirar a lamotrigina. A minha justificativa é a
seguinte: todo esse processo me trouxe muita indisciplina. Eu acredito que o
medicamento não é uma pílula milagrosa que vai resolver todos os problemas. Eu
preciso fazer a minha parte e isso envolve muitos fatores que a Ong e o Clube
da Cachola estão me ajudando a fazer. Disciplina é muito importante nesse
processo. Não ia adiantar nada entrar em contato com vocês se eu não tinha
minha vida em um caminho um pouco digno de recuperação. É isso que estou
tentando fazer nesses últimos dois meses. O trabalho na universidade me sufoca
e se não dou conta dele me deprimo mais ainda. Tenho tentado dar conta dele,
mas ele me consome muito tempo. Acho que estou em um caminho. Faz 07 semanas
que não entro no Clube da Cachola para participar, pois precisei fazer uma
viagem para o exterior (congresso) que envolveu 03 semanas da minha vida, além
do trabalhão para organizar tudo. Mesmo assim, sinto um caminho. Sobre isso,
converso mais pessoalmente. Hoje retomo ao Clube da Cachola e à minha estrada
de cura.
Segue, em anexo, o resultado dos
meus exames e o primeiro exercício de um plano de cura de 12 semanas que o
Clube da Cachola nos passou. Infelizmente parei nesse primeiro, mas agora estou
retomando. Eles já estão no 8º. Não fiz o exame CYP-450, que só é feito em São
Paulo. Não era urgente, acho até que dei uma forçada para fazer. Em janeiro
estarei em férias em V. e faço. Quero esse resultado, de qualquer forma.
Obrigada pela paciência.
p.s.: G., meu sono está uma
bagunça. Precisamos conversar. Porém, sem disciplina e sem aplicação dos
métodos que você me passou, não atingirei os objetivos. Esse é meu ponto. Estou
tentando organizar a vida. Não consegui ir à ultima consulta, pois viajei nesse
dia. Tampouco consegui avisar.